Nos últimos anos, uma tendência tem ganhado força nas redes sociais e no mercado brasileiro: os bebês reborn. Essas bonecas hiper-realistas, feitas artesanalmente para se assemelhar a recém-nascidos, conquistaram adultos que buscam conforto emocional, expressão artística ou até mesmo uma forma de lidar com perdas e traumas. Mas o que leva uma pessoa adulta a desenvolver um apego tão intenso por um objeto inanimado? E como esse fenômeno impacta a economia e o ambiente digital?

O que são os bebês reborn?
Os bebês reborn são bonecas confeccionadas com materiais como vinil e silicone, pintadas à mão para simular a aparência de um bebê real. Alguns modelos incluem detalhes como veias, marcas de nascença, batimentos cardíacos simulados e até mecanismos de respiração. Apesar de parecerem brinquedos, essas bonecas são frequentemente tratadas como objetos de afeto, cuidado e vínculo emocional.
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Rio de Janeiro tem o Dia da Cegonha Reborn
No dia 7 de maio, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro aprovou, em segunda discussão, o projeto de lei n° 1892/2023, que prevê a inclusão do Dia da Cegonha Reborn no calendário da cidade. O texto já está nas mãos do prefeito Eduardo Paes (PSD) para sanção. A justificativa da Casa é homenagear as artesães que desenvolvem esses bebês, chamadas de cegonhas. O dia escolhido para a comemoração é 4 de setembro.
Autor da proposta, o vereador Vitor Hugo (MDB) afirmou que o projeto visa homenagear um grupo de mulheres que o procurou.
“São senhoras que tiveram problemas de depressão ou perdas nas famílias, e começaram a montar essas bonecas. Elas (artesãs) são chamadas de cegonhas reborn e constroem os bonecos como tratamento terapêutico. Hoje, essas mulheres estão praticamente curadas e vivem disso”, informou o parlamentar.
Aspectos psicológicos envolvidos
1. Apego e vinculação afetiva
Para muitas pessoas, os bebês reborn funcionam como substitutos simbólicos — seja de um filho que não pôde ser gerado, de um filho perdido ou de uma maternidade idealizada. O ato de cuidar da boneca pode ativar circuitos neurais associados ao cuidado parental e gerar conforto emocional. Segundo a psicóloga Letícia de Oliveira, tratar um bebê reborn como filho pode indicar carência emocional significativa e até mesmo transtornos psiquiátricos, como esquizofrenia ou transtornos de personalidade.
“A humanização de um boneco demonstra diversas questões emocionais e psíquicas, revelando uma carência emocional significativa e uma possível frustração existencial”, afirmou a psicóloga
2. Elaboração de perdas e traumas
Há relatos de mulheres que recorreram aos bebês reborn como parte do processo de luto após perdas gestacionais ou infantis. Nesses casos, o vínculo com a boneca pode funcionar como um meio simbólico de expressar e reorganizar a dor da perda. A prática pode ter função terapêutica se inserida em um contexto de acolhimento e acompanhamento psicológico.
3. Regulação emocional e redução da solidão
Em pessoas que enfrentam solidão, depressão ou transtornos de ansiedade, o cuidado com o bebê reborn pode representar uma estratégia inconsciente de autorregulação emocional. O ritual de alimentar, trocar roupas e conversar com a boneca pode proporcionar uma sensação de rotina, companhia e pertencimento.
4. Identidade e papel social
Algumas pessoas relatam uma sensação de ser mãe ao interagir com o bebê reborn. Isso pode refletir a busca por um papel social valorizado ou desejado, especialmente em contextos onde a maternidade é idealizada. A identificação com esse papel pode oferecer à pessoa um sentido de identidade mais estável e de valor pessoal .

5. Colecionismo e estética
Nem todos os colecionadores desenvolvem um vínculo emocional com os reborns. Para alguns, a motivação está mais ligada ao aspecto artístico e estético. O colecionismo também pode funcionar como uma forma de controle, organização e prazer em criar um universo pessoal em torno de um objeto que representa algo significativo.
O impacto econômico e digital
Mercado crescente
O mercado de bebês reborn no Brasil tem mostrado um crescimento significativo. Em Belo Horizonte, por exemplo, uma loja especializada movimenta cerca de R$ 40 mil por mês com a venda dessas bonecas . Os preços variam entre R$ 500 e R$ 12 mil, dependendo do nível de realismo e detalhes da boneca.
Influência nas redes sociais
Influenciadores e celebridades têm contribuído para a popularização dos bebês reborn. A influenciadora Gracyanne Barbosa, por exemplo, compartilhou em suas redes sociais a experiência de “adotar” um bebê reborn, gerando debates sobre o comportamento e a aceitação social dessa prática.
Estratégias de marketing
Marcas especializadas, como a UniDoll, utilizam as redes sociais para divulgar seus produtos, interagir com clientes e oferecer conteúdos educativos sobre cuidados com os bebês reborn. Essa abordagem tem se mostrado eficaz para fidelizar clientes e expandir o alcance da marca.
“Temos muitos conteúdos de mídia ensinando como cuidar do bebê e, com isso, prolongar sua preservação. Além disso, também tiramos dúvidas recorrentes”, conta Ana Sato, sócia-fundadora da UniDoll.
Ana Sato ressalta ainda que, com o avanço da tecnologia, as estratégias de comunicação têm que acompanhar.
“É preciso acompanhar o mercado. A UniDoll investe em multicanais porque acredita que informar e engajar é essencial para fidelizar clientes. Com conteúdo de qualidade e interação é possível estar perto, mesmo que longe”.
Considerações psicológicas e éticas
Especialistas alertam para os riscos de tratar bebês reborn como filhos reais. A psicóloga Letícia de Oliveira destaca que essa prática pode indicar carência emocional significativa e dificuldades na interação social. Ela enfatiza que, embora o apego às bonecas não seja patológico por si só, é importante que as pessoas mantenham uma distinção clara entre o simbólico e o real.
O psicanalista André Alves observa que a popularização dos bebês reborn reflete uma mudança cultural mais ampla, onde o digital e o artificial começam a substituir o real e o simbólico. Ele alerta para a erosão dos limites entre o real e o imaginário, o que pode levar a uma desconexão emocional e social.
Envolvidos devem distinguir o simbólico do real
O fenômeno dos bebês reborn revela aspectos profundos da psique humana, como a necessidade de afeto, cuidado e pertencimento. Embora possam servir como ferramentas terapêuticas em contextos específicos, é fundamental que os envolvidos mantenham uma distinção clara entre o simbólico e o real. O mercado e o ambiente digital têm desempenhado um papel crucial na disseminação e comercialização desse fenômeno, refletindo as complexas interações entre tecnologia, emoção e consumo.