A relação entre religião e poder tem sido historicamente complexa, especialmente quando líderes espirituais abusam de sua posição para cometer crimes sexuais. No Brasil, a Lei Maria da Penha, sancionada em 2006, representa um marco na proteção das mulheres contra a violência doméstica e familiar. Contudo, casos envolvendo líderes religiosos, como pastores, têm evidenciado a necessidade de uma vigilância mais rigorosa e de mecanismos eficazes para garantir a segurança e os direitos das vítimas. Veja alguns casos de pastores que ganharam repercussão nacional.

1. Bispo João Batista dos Santos – Distrito Federal
Em 2020, o bispo evangélico João Batista dos Santos foi condenado a 20 anos e 6 meses de prisão por estuprar uma adolescente de 13 anos. A sentença destacou a autoridade que ele exercia sobre a vítima e a continuidade dos abusos. Ele já possuía condenações anteriores por violação sexual mediante fraude.
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De acordo com o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), antes dos abusos o bispo falava que amava a garota e que iria se casar com ela. Após os abusos, a vítima começou a ter crises de ansiedade e então decidiu relatar os fatos ocorridos. Para a Promotoria, é “evidente” que o modus operandi utilizado pelo religioso não é inédito, configurando um “padrão de ataque”. A sentença condenatória frisou que ele, após ganhar a confiança das vítimas, utilizava óleo para tocar o corpo das mulheres, inclusive nas partes íntimas, sob um pretexto de “cura”.
2. Pastores Luiz Antônio e Lucas Abreu – Sergipe
Em Aracaju, os pastores Luiz Antônio e Lucas Abreu foram indiciados por assédio sexual, violação sexual mediante fraude e estupro de vulnerável em 2021. As investigações começaram após denúncias de mulheres que frequentavam a igreja e alegaram constrangimento e abuso por parte dos pastores.
A delegada Josefa Valéria, da Delegacia Especial de Atendimento à Criança e ao Adolescente Vítima (Deacav), mencionou que uma das vítimas tinha 13 anos e a outra, 15. “Naquela época, o pastor Lucas Abreu era líder do grupo de adolescentes da igreja, que se reunia aos finais de semana para estudos bíblicos e atividades religiosas. Nesses encontros, as vítimas relataram supostas práticas libidinosas. Foram iniciadas as investigações e colhidos os depoimentos. Com base no que foi apurado, o pastor Lucas Abreu foi indiciado por assédio sexual e estupro de vulnerável”, relatou.
3. Pastor Elido dos Santos Martins – Amazonas
Em 2020, o pastor Elido dos Santos Martins foi preso por abusar sexualmente de uma criança de 9 anos e de uma adolescente de 13 anos, em Manaus. As vítimas eram filhas de membros da igreja onde ele atuava. A prisão ocorreu após os pais das vítimas, uma menina de nove anos e uma adolescente de 13, denunciarem os abusos.
De acordo com a delegada Joyce Coelho, Elido já possuía uma sentença condenatória de 15 anos de reclusão, pelo mesmo crime, envolvendo outras duas vítimas. “Em todos os casos, as diligências apontam que o pastor sempre agia da mesma forma. Após se aproximarem das filhas do infrator, as vítimas visitavam a residência dele para realizarem estudos bíblicos. Entretanto, o indivíduo aproveitava momentos oportunos e cometia os abusos sexuais”, explicou a titular da especializada que acompanhou o caso.
4. Pastor Jonas Braga – Rio de Janeiro
Em 2022, o pastor Jonas Braga foi preso em Araruama, Rio de Janeiro, acusado de estuprar duas menores de idade, filhas de fiéis da igreja onde ele atuava. As investigações começaram após os pais encontrarem fotos íntimas enviadas pelo pastor para uma das vítimas.
O delegado Filipe Poyes, titular de delegacia de Araruama, responsável pela prisão, disse que Braga responde a dois inquéritos por estupro cometido contra meninas de 11 anos e 17 anos de idade. Dessa maneira, ele se beneficiava da confiança da família para oferecer carona às vítimas. “Ele usava seu veículo para praticar esses atos. Geralmente, ele pegava a vítima em casa e levava até a igreja e no caminho praticava esses atos”, disse o delegado.
5. Pastor Everaldo – Rio de Janeiro
A Polícia Civil do Amazonas prendeu, em janeiro de 2025, um pastor, de 50 anos, por estupro de vulnerável cometido contra uma criança de 6 anos. O homem era casado com a avó da vítima.
De acordo com o delegado Raul Augusto Neto, do Departamento de Polícia do Interior (DPI), a criança morava na casa da avó e do pastor desde 2022, período em que ele aproveitou para cometer os abusos sexuais. Na época, ela tinha apenas 4 anos. A avó da vítima faleceu em março de 2024, e a criança retornou a conviver com a mãe. Em janeiro deste ano, ela relatou que havia sido abusada pelo infrator.
“As investigações começaram e a vítima foi ouvida em escuta especial, onde relatou que o indivíduo mostrava suas partes genitais para ela e tocava nas partes íntima. Ele também a forçava a assistir a vídeos. O suspeito levava a criança para o banheiro e para a cozinha da residência, onde cometia os abusos. Após isso, ele a instruía a não contar nada a ninguém, pois caso contrário ele poderia fazer muito mal a ela e à mãe dela”, detalhou o delegado.
6. Pastor condenado em Santa Catarina
Um pastor e benzedeiro de 90 anos foi condenado por estupro de vulnerável em Santa Catarina. Ele abusou de uma criança de sete anos entre 2016 e 2017. A pena foi aumentada de oito para nove anos e quatro meses, além de uma indenização por danos morais à vítima.
O idoso foi acusado de praticar atos libidinosos com a vítima, que tinha sete anos na época. Por se tratar de um pastor e benzedeiro, o homem tinha a confiança da família e costumava tanto frequentar a casa da vítima como recebê-la em sua residência. Por mais de uma vez, de acordo com relato da criança, o réu abaixava suas calças, mostrava o pênis e obrigava a vítima a massagear seu órgão sexual. Ela era ameaçada para não contar a ninguém, pois “algo pior” poderia lhe acontecer.
7. Padre Alexandre Paciolli – Rio de Janeiro
O padre Alexandre Paciolli foi preso em 2024, acusado de importunação sexual e estupro de vulnerável contra uma mulher em Nova Friburgo. Segundo o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ), a vítima era fiel do padre, e os abusos ocorreram em agosto de 2022 e janeiro de 2023, sob o pretexto de que ele estava sentindo fortes dores.
8. Pastor condenado em Guarulhos, São Paulo
Em Guarulhos, na Grande São Paulo, o pastor evangélico Joilson da Silva de Freitas Santos, de 39 anos, foi preso pela Polícia Civil como suspeito de abusar sexualmente de crianças e adolescentes da Igreja Batista da Lagoinha. O caso ocorrem em 2023.
Segundo as investigações, o pastor possuía uma célula – espécie de grupo de estudos – formada por crianças e adolescentes para discutir questões relacionadas à sexualidade. Dessa maneira, o líder religioso obrigava as vítimas a pesquisarem vídeos e fotos pornográficos na internet. Em seguida, de acordo com a polícia, ele fazia chantagem com as vítimas e mantinha relações sexuais com elas em seu apartamento.
9. Pastor condenado em Mato Grosso do Sul
Na cidade de Dourados, em Mato Grosso do Sul, um pastor foi condenado por abuso sexual de quatro mulheres durante sessões de “cura espiritual”, em 2024. As vítimas, de 20 a 40 anos de idade e que frequentavam a igreja que ele presidia, relataram que ele se aproveitou de sua posição para cometer os abusos .
Elas informaram que o pastor utilizava sua posição de liderança espiritual. Com isso, dava “selinhos” e tocava nas vítimas, além de convencê-las a manter relações sexuais sob a justificativa de “cura espiritual” ordenada por Deus, que exigiria a troca de “energia vital”. Os abusos ocorriam em momentos de oração.
10. Pastor preso em Pernambuco
Um pastor foi preso em Pernambuco após os pais de oito vítimas, algumas menores de 14 anos, registrarem contra ele boletins de ocorrência com relatos de abuso sexual e estupro de vulnerável. O líder religioso, de 36 anos, é fundador da Igreja Assembleia de Deus Dose da Esperança, localizada no bairro UR-06, em Jaboatão dos Guararapes, na Região Metropolitana do Recife. Ele possuía também um cursinho, no qual oferecia reforço escolar em algumas disciplinas.
De acordo com a Polícia Civil de Pernambuco, o pastor e professor atraía seus alunos e alunas através da igreja, ou amigos de fiéis, e até mesmo com abordagens através das redes sociais. Em um dos casos, segundo a delegada Vilaneida Aguiar, à frente das investigações, ele teria dito à mãe de uma adolescente que levaria sua filha a uma escola para que ela fizesse uma prova. Em depoimento, a menina contou que o pastor ofereceu uma água e ela teria acordado nua e amarrada em um motel, após já ter sido estuprada.
Especialistas sugerem que é preciso fortalecer políticas públicas de prevenção
Esses casos evidenciam a vulnerabilidade de indivíduos em contextos religiosos, onde a confiança depositada nos líderes espirituais pode ser explorada de maneira criminosa. A Lei Maria da Penha, embora fundamental na proteção das mulheres, muitas vezes não é suficiente para prevenir abusos cometidos por figuras de autoridade religiosa, como pastores. Especialistas em direitos humanos sugerem que é necessário um fortalecimento das políticas públicas de prevenção e educação, além de uma maior fiscalização das instituições religiosas.

Instituições religiosas devem adotar medidas rigorosas de proteção
A proteção contra abusos sexuais em ambientes religiosos, onde muitos deles os pastores frequentam, é uma responsabilidade coletiva. É imperativo que as instituições religiosas adotem medidas rigorosas de prevenção, que as vítimas tenham acesso a canais seguros de denúncia e que o sistema judiciário atue com celeridade e imparcialidade. Somente assim será possível garantir que a fé não seja utilizada como instrumento de opressão e violência.