A expressão “Lei Anti‑Oruam” explodiu no debate público em 2025, cristalizando uma polêmica que atravessa política, cultura e direitos fundamentais. O termo refere-se a uma série de projetos de lei — iniciados em São Paulo — que visam impedir que artistas façam apresentações financiadas por recursos públicos quando suas músicas contenham “apologia ao crime organizado” ou ao uso de drogas, especialmente em eventos voltados ao público infantojuvenil.
No centro da controvérsia está o rapper Oruam, cuja trajetória traz à tona dilemas sobre censura, moralismo cultural e liberdade de expressão. Veja o que está por trás da “Lei Anti‑Oruam”, os fatos que a motivaram, suas ramificações no país e os impactos para a cena cultural periférica.

O que é a “Lei Anti‑Oruam”?
O termo popular “Lei Anti‑Oruam” serve como apelido para projetos de lei com escopo semelhante: proibir a contratação — por parte de administrações públicas — de artistas cujos shows contenham apologia ao crime organizado ou ao uso de drogas, em eventos acessíveis a crianças e adolescentes.
A primeira proposta surgiu em São Paulo, protocolada pela vereadora Amanda Vettorazzo (União Brasil), que declarou: “Quero proibir Oruam de fazer shows na cidade de São Paulo”.
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Na sequência, outras capitais como Rio de Janeiro, Manaus, Campo Grande, Florianópolis, entre outras, passaram a protocolar propostas semelhantes.
No Rio de Janeiro, o texto prevê sanções semelhantes, com multa integral destinada à rede municipal de ensino fundamental. Em Campo Grande, por exemplo, a lei sancionada (Lei nº 7.405/2025) entrou em vigor em maio e prevê rescisão de contrato, multa de 100% do valor contratado — revertida ao ensino fundamental — e possibilidade de denúncia pelo cidadão via Ouvidoria .
Por que Oruam ficou famoso (e alvo da lei)?
Mauro Davi dos Santos Nepomuceno, conhecido como Oruam, é um rapper e cantor brasileiro, nascido em 1º de março de 2000, no Rio de Janeiro. Cresceu na Cidade de Deus, na Zona Oeste da cidade, estudou Psicologia (sem concluir) e assina com a gravadora Mainstreet desde 2022.

Ganhou notoriedade com o single “Invejoso” e foi eleito “Revelação do Trap” em 2022. Em março de 2024, durante sua apresentação no Lollapalooza, usou uma camiseta com a palavra “liberdade” e foto de seu pai, Marcinho VP — líder do Comando Vermelho — preso desde os anos 1990. Isso gerou repercussão justamente por envolver a identidade do artista com um traficante.
A prisão e o lançamento de “Liberdade”
Em fevereiro de 2025, Oruam foi preso por direção perigosa e liberado após pagar fiança. Poucas horas depois, anunciou o lançamento de seu primeiro álbum, Liberdade, cuja capa mostra ele e familiares vestindo camisetas com o rosto do pai e a palavra “liberdade”. A repercussão aumentou ainda mais.
Em entrevista e redes sociais, afirmou que “a lei anti‑Oruam não ataca só o Oruam, mas todos os artistas da cena”. Essa visibilidade, combinada com o apelo simbólico, fez com que sua imagem se tornasse o fio condutor dos discursos que embasam os projetos legais.
O contexto legal: já existe previsão no Código Penal?
Sim. O Brasil já possui previsão legal contra apologia ao crime. O Art. 287 do Código Penal estabelece pena de detenção (3 a 6 meses) ou multa para quem fizer apologia a fato criminoso ou autor de crime. O Art. 268 trata de incitação à violência ou animosidade contra instituições.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) também estabelece restrições quanto à exposição de menores a conteúdos impróprios, como indução ao crime.
O professor Daniel Raizman (UFF) pondera que os projetos não trazem novidade jurídica, mas levantam debate sobre linguagem subjetiva e censura preventiva.
Repercussão e críticas (liberdade artística, racismo estrutural, censura)
Liberdade de expressão e censura: Juristas argumentam que impedir a contratação de artistas com base em previsões vagas sobre o conteúdo representa censura antecipada, impondo critérios subjetivos às contratações públicas. Inclusive um usuário no Reddit afirmou: “O critério é vago… abre margem para interpretações arbitrárias e possíveis abusos”.
Racismo estrutural e criminalização cultural: Artigos destacam que funk e rap já foram perseguidos historicamente como manifestações culturais periféricas, remetendo à criminalização do samba no século XIX. Segundo ativistas e autores, a “Lei Anti‑Oruam” perpetua a criminalização de expressões negras e periféricas, enquanto gêneros populares alinhados à cultura dominante não são alvo de restrições similares.
Movimento nacional e disseminação política: Mais de 80 municípios, inclusive 18 capitais, teriam proposto projetos inspirados na “Lei Anti‑Oruam”. Isso reflete um movimento político que encontrou no simbolismo de Oruam — e no discurso de “proteção à infância” — uma base para expandir esse tipo de proibição em escala nacional.
Impactos potenciais para a cultura e os artistas periféricos
Marginalização de vozes periféricas: ao vetar a apresentação de artistas que retratam a realidade das periferias, corre‑se o risco de silenciar narrativas importantes e representações identitárias.
Precedente perigoso: se a subjetividade for aceita como critério, outras formas de cultura marginal podem ser alvo, ampliando o controle estatal sobre a produção artística.
Judicialização da cultura: as leis já vigentes — como o Código Penal — permitem análise caso a caso. A institucionalização dessas proibições pode gerar judicializações, com impacto orçamentário e burocrático.