Localizado na Região Oceânica de Niterói (RJ), o Museu de Arqueologia de Itaipu (MAI) resguarda mais de 6 mil anos de história arqueológica costeira, tornando-se um polo de memória, identidade e pesquisa. No entanto, o que muitos não sabem é que o espaço, instalado nas ruínas do Recolhimento de Santa Teresa, tem uma história peculiar que remete ao século XVIII.

Afinal, o antigo Recolhimento de Santa Teresa, instituição fundada em 1764 pelos padres Manuel Francisco da Costa e Manuel da Rocha, tinha por objetivo abrigar mulheres oriundas de diferentes contextos. Entre eles as que pretendiam seguir a vida religiosa, órfãs, mulheres de “vida fácil”, as que haviam engravidado ou mantido romances antes do matrimônio, viúvas e aquelas que ali eram instaladas por seus pais ou maridos quando estes saíam em viagem.
O tempo de permanência na instituição era determinado pelo patriarca da família e a internação no estabelecimento requeria o pagamento de um dote pela família e a aprovação da Corte.
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De acordo com a arqueóloga Lucia Zanatta Brito (UFRJ/MAI), esse tipo de instituição era mantido por famílias abastadas. Ela destaca ainda que eram espaços leigos, não conventuais – voltados à disciplina social sob preceitos católicos, sem votos perpétuos. Essas casas de recolhimento eram, portanto, instrumentos de controle social que seguiam rígidas normas patriarcais. Embora algumas mulheres fugissem – e por vezes retornassem -, a permanência era determinada pelos familiares, que recorriam ao recolhimento como punição, ‘proteção’ ou isolamento.
A arqueóloga enfatiza que o MAI representou uma oportunidade de estudar um espaço de isolamento social feminino e desafiar narrativas patriarcais.
“É importante a gente olhar para esses lugares do passado, buscando entender esse patriarcado exposto e marcado nessa instituição. Deixou raízes no medo, coerção e silenciamento feminino.”

Na primeira metade do século XIX, o Recolhimento desponta em documentos como local de “pobreza franciscana”, sinalizando colapso de recursos. Em 1833, encerrou suas atividades, passando a servir como asilo para menores, até desaparecer dos registros históricos. O edifício, então, foi ocupado por pescadores locais, usado como moradia e para tingimento de redes. Houve, ainda, no entorno da muralha, aglomeração de residências de pescadores. Somado ao abandono, a estrutura entrou em ruínas, necessitando intervenção pública décadas mais tarde.
Em 8 de janeiro de 1955, o antigo Recolhimento foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Esse registro deu início a um longo processo de proteção, que começou com pedidos de retirada dos pescadores da área e disputas de posse com a Companhia Territorial Itaipu.
Na década de 1960, o arquiteto Edgard Jacintho liderou a consolidação das ruínas, incluindo vedação de aberturas e desalojamento de ocupantes ocupacionais. Em 1968, iniciou-se a restauração da capela e das muralhas, continuada até 1974. Vale destacar que, até 1995, ocorreram obras de restauração.
Rico acervo do Museu de Arqueologia de Itaipu
O acervo institucional do Museu de Arqueologia de Itaipu é composto pela Coleção Hildo de Mello Ribeiro, seis blocos testemunhos do Sambaqui de Camboinhas, uma canoa do século XIX e artefatos arqueológicos achados nas imediações do museu e para ele encaminhados por pessoas da região ou usuários da praia.
A Coleção Hildo constitui o núcleo inicial do acervo institucional. Esta coleção formou-se durante as décadas de 1960 e 1970 através de coleta no sítio arqueológico da Duna Grande, realizada pelo arqueólogo-amador Hildo de Mello Ribeiro, também agente federal de fiscalização da pesca e morador de Itaipu.
A coleção possui cerca de 1040 objetos testemunhos de povos que habitaram a região antes do ano de 1500, dentre os quais: machados de pedra, pontas de ossos, ossada humana, lascas de quartzo, polidores, peças cerâmicas, conchas etc. O acervo, contudo, não é reconhecido como científico devido à forma como foi composto, já que a falta de método impossibilitou sua datação.
Entretanto, ainda que suas peças não possuam uma datação acurada, elas não deixam de ser representantes de uma cultura coletora, caçadora e pescadora que, um dia, habitou a faixa litorânea da Região Oceânica de Niterói, fazendo-se, assim, passível de ser exposta e trabalhada com fins didáticos.