O Sistema de Justiça do Rio de Janeiro enfrenta uma sobrecarga alarmante no enfrentamento da violência doméstica. Dados recentes do Observatório Judicial de Violência contra a Mulher revelam um número impressionante de casos pendentes, evidenciando falhas estruturais e operacionais que comprometem a eficácia das políticas públicas de proteção à mulher. Este cenário é ainda mais grave quando comparado a outras formas de violência, como o feminicídio, cujos números também apresentam crescimento preocupante.

A realidade das pendências no sistema judiciário
O Observatório Judicial de Violência contra a Mulher aponta que, no Rio de Janeiro, há um número significativo de processos relacionados à violência doméstica que permanecem pendentes. Esse acúmulo de casos não apenas sobrecarrega o sistema judiciário, mas também retarda a aplicação da justiça, deixando as vítimas em uma situação de vulnerabilidade prolongada. Especialistas apontam que a falta de recursos, a escassez de profissionais capacitados e a morosidade processual são fatores que contribuem para essa realidade.
Feminicídios: um crescimento alarmante
Em 2024, o Rio de Janeiro registrou 107 casos de feminicídio, representando um aumento de 8% em relação ao ano anterior. Esse dado coloca o estado em um patamar preocupante, evidenciando que, apesar dos esforços, a violência letal contra a mulher continua a crescer. O Instituto de Segurança Pública (ISP) destaca que, entre os fatores motivadores, estão conflitos de relacionamento, como brigas, ciúmes e não aceitação do fim do vínculo afetivo, que culminam em tragédias fatais.
“O principal objetivo do Dossiê é fornecer estatísticas oficiais para a criação de políticas públicas, focadas na proteção, acolhimento e atendimento das mulheres vítimas e de todos que são atingidos por essas violências”, informou o Instituto.
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O estado também registrou uma diminuição de 11% nos feminicídios, com 99 vítimas em 2023, contra 111 em 2022. Nas cidades do Sul do Estado foram seis casos, em 2023: dois em Angra dos Reis e também dois, em Volta Redonda, um em Barra Mansa e um em Barra do Piraí.
O estudo revela que, entre os casos de feminicídios no estado, 42% dos autores alegaram ter cometido o crime após uma briga, enquanto 20% afirmaram que o motivo foi a não aceitação do fim do relacionamento. Outros 17% foram motivados por ciúmes e 6% por desconfiança de traição. Essas estatísticas deixam claro que grande parte da violência fatal contra as mulheres está relacionada a dinâmicas de controle e posse dentro de relações amorosas.
O levantamento também aponta que, entre os autores desses crimes, 57% tinham antecedentes criminais, com mais de dois terços respondendo por crimes relacionados à violência doméstica. A arma branca, como facas, foi a mais utilizada para cometer os feminicídios, seguida pela arma de fogo. A maioria dos crimes aconteceu dentro de residências, com 85% das vítimas sendo mortas em suas próprias casas.
Medidas protetivas: uma resposta insuficiente
As Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs) do Rio de Janeiro desempenham um papel crucial na proteção das vítimas. Em 2024, foram registradas mais de 36 mil ocorrências nessas unidades, com 22.710 relacionadas a medidas protetivas. Apesar desse número expressivo, especialistas alertam que a efetividade dessas medidas ainda é limitada, muitas vezes devido à falta de fiscalização e ao retorno das vítimas ao convívio com os agressores.

A violência psicológica: o mal invisível
A violência psicológica tem se mostrado a forma mais prevalente de agressão contra a mulher no Rio de Janeiro. Em 2023, 51.019 mulheres foram vítimas desse tipo de violência, o que equivale a cerca de 140 casos por dia. Essa modalidade de abuso, caracterizada por comportamentos coercitivos e humilhações, muitas vezes passa despercebida pela sociedade e pelas autoridades, dificultando a identificação e o enfrentamento efetivo.
Desafios estruturais e falhas sistêmicas
A sobrecarga do sistema judiciário é apenas a ponta do iceberg. Fatores como a falta de integração entre as diversas esferas de atendimento, a escassez de profissionais especializados e a ausência de políticas públicas eficazes contribuem para a ineficiência no combate à violência doméstica. Além disso, a cultura do machismo enraizada na sociedade brasileira dificulta a mudança de mentalidade necessária para a implementação de soluções duradouras.
Iniciativas e avanços: pequenos passos em meio ao caos
Apesar dos desafios, algumas iniciativas têm sido implementadas para melhorar a situação. A Lei 8.311/2024, sancionada pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro, prevê que vítimas de violência doméstica possam receber tratamento de reparação estética, visando à recuperação da autoestima e à reintegração social. Essa medida, embora positiva, ainda é insuficiente diante da magnitude do problema.
O papel da sociedade e da mídia
A sociedade civil e a mídia desempenham um papel fundamental na luta contra a violência doméstica. O aumento de denúncias, como as registradas pelo Ligue 180, é um reflexo da conscientização crescente da população. No entanto, é necessário ir além da denúncia, promovendo ações educativas, apoio às vítimas e pressão por mudanças estruturais no sistema de justiça.
A realidade é de um sistema falho e sobrecarregado
O cenário da violência doméstica no Rio de Janeiro é complexo e desafiador. Embora existam avanços pontuais, como a implementação de novas leis e o aumento das denúncias, a realidade é de um sistema sobrecarregado e falho. É imperativo que haja uma reestruturação profunda, com investimentos em recursos humanos, capacitação profissional e políticas públicas eficazes, para que a proteção à mulher deixe de ser uma promessa e se torne uma realidade concreta e efetiva.