Os Houthis, também conhecidos como Ansar Allah (“Partidários de Deus”, em árabe), voltaram às manchetes internacionais após uma série de ataques a embarcações no Mar Vermelho, elevando a tensão global e provocando uma reação direta dos Estados Unidos. O movimento, de orientação xiita e aliado ao Irã, representa hoje um dos principais desafios estratégicos dos EUA no Oriente Médio — e uma ameaça crescente ao comércio internacional.
Para o ex-presidente Donald Trump, que mantém forte influência no Partido Republicano e almeja retornar à Casa Branca em 2025, os Houthis simbolizam mais do que um problema regional: são uma “nova pedra no sapato” da política externa americana, alimentando discursos sobre segurança, influência iraniana e a necessidade de uma presença militar firme na região.
Mas afinal, quem são os Houthis, como eles ganharam tanto poder e por que sua atuação afeta diretamente os interesses dos EUA?
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Raízes religiosas e políticas: a origem dos Houthis
O movimento Houthi surgiu no norte do Iêmen nos anos 1990, como uma reação ao avanço do salafismo (corrente sunita ultraconservadora) e à crescente marginalização dos xiitas zaiditas — uma vertente moderada do islamismo xiita predominante na região de Sa’dah, fronteira com a Arábia Saudita.
Fundado pelo clérigo Hussein Badreddin al-Houthi, o grupo começou como um movimento sociocultural que promovia a identidade zaidita e criticava a interferência dos EUA e de Israel no Oriente Médio. Com o tempo, tornou-se um grupo paramilitar, adotando o lema “Deus é grande, morte à América, morte a Israel, maldição sobre os judeus, vitória ao Islã” — hoje impresso em suas bandeiras e cartazes.
Após a morte de Hussein al-Houthi em 2004 durante um conflito com o governo iemenita, o grupo passou a ser liderado por seu irmão, Abdul-Malik al-Houthi, e se envolveu em diversos confrontos armados com o governo central.
A Primavera Árabe e a ascensão dos Houthis ao poder
O ponto de virada para os Houthis ocorreu com a Primavera Árabe de 2011. A queda do ditador Ali Abdullah Saleh abriu uma crise de poder que os Houthis souberam explorar. Em 2014, com apoio de forças leais a Saleh (seu antigo inimigo), o grupo tomou a capital do país, Sanaa, e forçou o presidente Abdrabbuh Mansur Hadi ao exílio.
Desde então, o Iêmen vive uma guerra civil devastadora, com os Houthis controlando grande parte do norte do país, incluindo a capital. Em 2015, uma coalizão liderada pela Arábia Saudita e apoiada pelos EUA lançou uma ofensiva para restaurar o governo deposto. O conflito, que dura até hoje, já deixou mais de 370 mil mortos, segundo dados da ONU, e causou uma das piores crises humanitárias do mundo.
Irã, EUA e Arábia Saudita: o jogo de poder regional
Os Houthis são frequentemente descritos como “proxies” (representantes) do Irã, o que é motivo de preocupação para os Estados Unidos e seus aliados. Embora Teerã negue comandar diretamente o grupo, há consenso entre analistas de que o apoio iraniano — por meio de armamentos, treinamento e inteligência — tem sido fundamental para a resistência e expansão dos Houthis.
De acordo com o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS), o Irã vê os Houthis como uma ferramenta estratégica para projetar influência no Golfo Pérsico e pressionar seus rivais, especialmente a Arábia Saudita.
“Os Houthis oferecem ao Irã uma capacidade de dissuasão assimétrica sem que Teerã precise entrar diretamente em guerra. Isso os torna uma ameaça constante aos interesses dos EUA e de seus aliados”, afirma Toby Dodge, professor da London School of Economics e especialista em Oriente Médio.

Mar Vermelho: ataques, comércio global e retaliação americana
Em 2023 e 2024, os Houthis intensificaram seus ataques a embarcações comerciais no Mar Vermelho, justificando a ação como retaliação ao apoio dos EUA a Israel na guerra contra o Hamas, em Gaza. Utilizando drones e mísseis antinavio, o grupo passou a alvejar navios com bandeiras ocidentais ou destino a Israel, criando uma rota alternativa mais longa e onerosa para o transporte marítimo global.
Segundo a Organização Marítima Internacional (IMO), cerca de 12% do comércio global passa pelo Mar Vermelho e pelo Canal de Suez — e qualquer instabilidade ali tem repercussões globais. A escalada obrigou os EUA a lançarem a “Operação Guardião da Prosperidade”, uma coalizão internacional para proteger a navegação na região.
Em janeiro de 2024, os EUA realizaram ataques aéreos contra alvos Houthi no Iêmen, gerando reações internacionais e aumentando a complexidade diplomática da situação.
“Os EUA estão entrando em um terreno perigoso. Confrontar diretamente os Houthis pode gerar mais instabilidade no Iêmen e aumentar a influência do Irã”, alerta Aaron David Miller, ex-negociador do Departamento de Estado dos EUA e pesquisador sênior da Carnegie Endowment for International Peace.
Trump, 2024 e o impacto político da crise Houthi
Embora o governo Biden esteja à frente da resposta militar atual, a ascensão dos Houthis também resvala diretamente em Donald Trump. Durante seu governo, Trump retirou os EUA do acordo nuclear com o Irã, intensificou sanções e classificou os Houthis como organização terrorista — uma designação que foi revertida por Biden em 2021, sob críticas dos republicanos.
Agora, com os Houthis voltando ao centro da crise regional, aliados de Trump pressionam pela reclassificação do grupo como terrorista e por uma postura mais agressiva contra o Irã. O tema tornou-se munição na campanha presidencial de 2024, com o ex-presidente usando a instabilidade como prova de que sua abordagem de “força máxima” era mais eficaz.
“Essa é uma consequência direta da fraqueza da política externa democrata. No nosso governo, o Irã estava acuado e os Houthis não ousavam desafiar o mundo dessa forma”, afirmou Trump em comício recente em Ohio.

Humanidade em risco: a crise esquecida do Iêmen
Enquanto as grandes potências disputam influência, a população iemenita paga um preço altíssimo. Segundo a ONU, 80% da população depende de ajuda humanitária. A fome atinge milhões, e a infraestrutura do país — já fragilizada — foi praticamente destruída.
Organizações como Médicos Sem Fronteiras e o Comitê Internacional da Cruz Vermelha alertam que ataques aéreos contra áreas controladas pelos Houthis muitas vezes atingem civis e complicam ainda mais a situação humanitária.
“Não há solução militar possível para o Iêmen. O povo está sofrendo há anos enquanto as potências jogam xadrez geopolítico com vidas humanas”, declarou David Beasley, ex-diretor executivo do Programa Mundial de Alimentos da ONU.
O futuro dos Houthis: desafio diplomático ou guerra prolongada?
A complexidade do cenário iemenita, somada à atuação regional dos Houthis, dificulta previsões otimistas. Especialistas divergem sobre a melhor forma de lidar com o grupo.
Para Elana DeLozier, pesquisadora do Washington Institute, “os Houthis devem ser incluídos em qualquer solução política para o Iêmen. Ignorá-los ou tratá-los apenas como um grupo terrorista é um erro estratégico”.
Outros analistas, como Michael Knights, do mesmo instituto, alertam que o grupo já passou de uma milícia local para uma força regional capaz de ameaçar interesses globais. “A complacência com os Houthis pode custar caro não apenas para os EUA, mas para toda a comunidade internacional”, afirma.

Entender os Houthis é entender o novo Oriente Médio
O ressurgimento dos Houthis como ator central no tabuleiro geopolítico evidencia uma mudança nas dinâmicas do Oriente Médio. A guerra por procuração entre Irã e Arábia Saudita, a instabilidade no Iêmen, os reflexos no comércio global e o impacto político interno nos EUA mostram que os Houthis deixaram de ser um grupo insurgente local — e se tornaram um ator estratégico com poder de desestabilização global.
Para Donald Trump, esse novo cenário pode ser explorado politicamente como um reflexo da fragilidade da diplomacia de Biden. Para o mundo, porém, é um lembrete de que conflitos esquecidos podem, de repente, se tornar centrais — e que ignorar o Iêmen é um luxo que o planeta não pode mais se dar.