A Saara, sigla para Sociedade de Amigos das Adjacências da Rua da Alfândega, é um dos maiores e mais tradicionais polos de comércio popular do Brasil. Localizada no Centro do Rio de Janeiro, a região é um verdadeiro labirinto de lojas que vendem de tudo: roupas, utensílios domésticos, decoração, brinquedos, artigos para festas, produtos religiosos e muito mais.
Mas, por trás das vitrines coloridas e das calçadas apinhadas de gente, existe uma história rica que mistura imigração, urbanização, resistência e empreendedorismo.
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O início: das alfândegas ao comércio popular
O surgimento da Saara está diretamente ligado à Rua da Alfândega, uma das vias mais antigas do Rio. No século XIX, a região começou a se consolidar como centro comercial, graças à proximidade com o porto. Foi ali que chegaram milhares de imigrantes, especialmente árabes, judeus e portugueses, que viram na efervescente cidade uma oportunidade de reconstruir suas vidas por meio do comércio.
Segundo a historiadora e urbanista Ana Luiza Santos, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), “o fluxo de imigrantes e mercadorias pelo porto moldou o perfil da Saara como um espaço multicultural e comercial. A diversidade étnica e cultural ajudou a consolidar a região como um ponto de encontro de diferentes tradições e formas de negociar”.
A fundação da SAARA como associação
Apesar de o nome ser utilizado amplamente para se referir à região comercial, a Sociedade de Amigos das Adjacências da Rua da Alfândega foi oficialmente fundada em 1962. A entidade surgiu com o objetivo de organizar e representar os comerciantes da área, promovendo melhorias na infraestrutura local, como limpeza, segurança e decoração de festas populares.
Hoje, a SAARA representa mais de 1.200 estabelecimentos comerciais espalhados por 11 ruas: Rua da Alfândega, Andradas, Buenos Aires, Senhor dos Passos, Regente Feijó, Coronel Sampaio, Frei Caneca, Gonçalves Ledo, Joaquim Silva, Uruguaiana e Marechal Floriano. Estima-se que cerca de 70 mil pessoas circulem diariamente pela região, segundo dados do Instituto Fecomércio RJ.
A Saara e os imigrantes: a força do empreendedorismo árabe
Boa parte do dinamismo econômico da Saara se deve aos comerciantes de origem árabe, principalmente libaneses e sírios, que chegaram ao Brasil entre o final do século XIX e o início do XX. Fugindo de conflitos e da crise no Império Otomano, esses imigrantes trouxeram consigo o espírito empreendedor e uma cultura comercial baseada na negociação direta, na fidelização de clientes e na oferta de preços competitivos.
Em entrevista ao jornal O Globo, o historiador Paulo Knauss, diretor do Museu Histórico Nacional, explica: “Os comerciantes árabes se destacaram pela capacidade de ocupação de espaços urbanos e pela habilidade em criar redes de contato que fortaleciam a economia local. A Saara é um reflexo direto dessa dinâmica”.
Transformações urbanas e resistência ao tempo
A Saara sobreviveu a diversas transformações urbanas, desde o processo de modernização da cidade no início do século XX até os projetos de revitalização do Porto Maravilha, que mudaram a dinâmica da região central. Mesmo com a migração de centros comerciais para bairros como Barra da Tijuca e Zona Norte, a Saara manteve seu apelo popular.
De acordo com um estudo do Instituto Pereira Passos, a região da Saara tem um dos aluguéis comerciais mais caros do Centro, reflexo do alto fluxo de consumidores. Além disso, a associação de comerciantes promove ações para atrair clientes, como campanhas de Natal, promoções temáticas e melhorias na infraestrutura.
A Saara na cultura carioca e brasileira
Não é apenas o preço baixo que atrai os consumidores à Saara. O local se tornou um símbolo da cultura carioca, retratado em novelas, filmes e músicas. O cantor e compositor Bezerra da Silva mencionava o comércio popular da região em suas letras, e a Saara foi cenário de várias gravações audiovisuais, consolidando-se como um personagem do Rio de Janeiro.
Além disso, o turismo de compras se tornou um atrativo. Agências oferecem passeios guiados pela Saara, explorando não só o comércio, mas também a história e a arquitetura dos prédios antigos, que remontam ao período colonial.
Com a chegada do e-commerce, a Saara precisou se reinventar. Muitos lojistas passaram a vender também pela internet, adotando plataformas digitais para complementar as vendas presenciais. Ainda assim, a experiência sensorial de “garimpar” produtos nas lojas físicas segue sendo um diferencial.
Outro desafio é a segurança. Nos últimos anos, comerciantes da região pressionaram as autoridades por mais policiamento, o que resultou na instalação de câmeras de vigilância e na maior presença da Guarda Municipal. A Prefeitura do Rio também implementou projetos de revitalização urbana, incluindo melhorias na iluminação pública e reforma de calçadas.

A alma comercial do Rio
A Saara é muito mais do que um centro de compras: é um retrato da história urbana do Rio de Janeiro e da influência dos imigrantes na construção da identidade da cidade. Ao caminhar por suas ruas, percebe-se a riqueza de uma região que, apesar das adversidades, permanece pulsante e essencial para o cotidiano de milhares de cariocas.
Enquanto o Rio muda, a Saara resiste, adaptando-se e mantendo viva uma tradição de comércio popular que é também um espaço de memória, diversidade e cultura.