João Francisco dos Santos, conhecido como Madame Satã, é uma figura emblemática da história cultural brasileira. Nascido em 25 de fevereiro de 1900, em Glória do Goitá, Pernambuco, tornou-se um símbolo de resistência, autenticidade e luta contra a marginalização. Sua trajetória, marcada por desafios e conquistas, reflete a complexidade da sociedade brasileira nas primeiras décadas do século XX. Por conta de sua importância histórica, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) recebeu oficialmente o pedido de tombamento do seu túmulo, localizado no Cemitério da Vila do Abraão, em Ilha Grande – Angra dos Reis (RJ).

O pedido de tombamento do túmulo
A ação é coordenada por Baltazar de Almeida, pesquisador de Afroturismo e Turismo LGBTI+, e tem por objetivo preservar o túmulo na Ilha Grande, onde Madame Satã morreu em 1976, e evitar que ele seja esquecido. Assim, garantir que o local vire um lugar de memória, de visitação, de reconhecimento histórico e cultural.
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O túmulo de Madame Satã, localizado no Cemitério da Vila do Abraão, em Ilha Grande, tornou-se um ponto de referência cultural e histórica. O jazigo é simples, mas carregado de simbolismo. Em sua lápide, há uma fotografia em preto e branco de 1975, acompanhada de seu nome completo e apelido, além das datas de nascimento e falecimento. Esse espaço tornou-se um local de peregrinação para aqueles que admiravam sua coragem, autenticidade e contribuição para a cultura brasileira
O pedido de tombamento destaca a relevância do túmulo como patrimônio cultural, não apenas pela figura de Madame Satã, mas também pelo contexto social e histórico que ele representa. A preservação desse espaço é vista como uma forma de combater o apagamento de narrativas periféricas e marginalizadas, promovendo uma reflexão sobre identidade, resistência e diversidade.
A proposta tem apoio de movimentos sociais como o Grupo Arco-íris, artistas, pesquisadores e instituições culturais, e tem por objetivo integrar o local a roteiros turísticos voltados à valorização da história negra e LGBTQIA+, como o projeto “Madame Satã Para Sempre”, que está sendo construído na região.
A ascensão de Madame Satã na Lapa
Madame Satã ganhou notoriedade na Lapa, bairro boêmio do Rio de Janeiro, onde se destacou como transformista, capoeirista e figura central da vida noturna. Sua habilidade na capoeira e sua presença marcante nos palcos teatrais desafiaram as normas sociais da época. O nome “Madame Satã” foi inspirado no filme homônimo de Cecil B. DeMille, lançado em 1930, após João vencer um concurso de fantasias em 1938 vestido como uma “diaba”.

Vida marginal
Além de sua carreira artística, Madame Satã teve uma vida marcada por episódios de violência e prisão. Entre 1928 e 1965, passou mais de 27 anos preso, envolvido em diversos conflitos e confrontos com a polícia. Apesar de sua ficha criminal extensa, ele também foi reconhecido por sua contribuição à cultura popular, especialmente no Carnaval carioca, onde se destacou como uma figura irreverente e inovadora.
A vida na Ilha Grande
Após cumprir pena no Presídio Cândido Mendes, em Dois Rios, Ilha Grande, Madame Satã decidiu permanecer na região. Fixou-se na Vila do Abraão, onde passou a viver de maneira mais discreta, trabalhando como cozinheiro, lavadeiro e babá. A comunidade local o respeitava, e ele continuou a ser um símbolo de força e autenticidade, participando ativamente das festividades de carnaval de Vila do Abraão.
O legado cultural
Madame Satã representa a luta contra a opressão e a busca pela liberdade de expressão. Sua trajetória é um reflexo das dificuldades enfrentadas pelas populações marginalizadas, mas também é um testemunho da capacidade de resistência e reinvenção. Ele desafiou as normas sociais de sua época, afirmando sua identidade e conquistando seu espaço no cenário artístico e cultural.
Madame Satã deixou um legado que transcende sua época. Sua vida inspirou o livro “Memórias de Madame Satã”, publicado em 1972, e o filme homônimo de 2002, dirigido por Karim Aïnouz e estrelado por Lázaro Ramos. Essas obras contribuíram para o reconhecimento de sua trajetória e para a discussão sobre temas como identidade de gênero, sexualidade e resistência cultural.

Além disso, Madame Satã influenciou movimentos culturais contemporâneos, como o Afroturismo Queer em Ilha Grande, que busca valorizar e divulgar a história de figuras marginalizadas e suas contribuições para a cultura local. Seu nome é lembrado em eventos culturais, exposições e publicações que buscam preservar e divulgar sua história.
Iniciativa ajuda a preservar a memória de Madame Satã
O pedido de tombamento do túmulo de Madame Satã é uma iniciativa importante para a preservação da memória de uma figura que, apesar das adversidades, construiu uma trajetória de resistência e afirmação. Reconhecer e valorizar sua história é fundamental para compreender a complexidade da sociedade brasileira e para promover uma cultura mais inclusiva e plural.
A preservação do túmulo de Madame Satã não é apenas uma homenagem a um ícone cultural, mas também um ato de justiça histórica, que contribui para a construção de uma memória coletiva mais rica e representativa.