O feriado de São Jorge no Rio de Janeiro, comemorado em 23 de abril, é uma das datas mais emblemáticas e reverenciadas do calendário carioca. Mais do que um simples dia de descanso, a data carrega uma rica tradição religiosa, histórica e cultural, além de ser um marco legal reconhecido pelo Estado. Mas por que exatamente São Jorge se tornou feriado no Rio de Janeiro? Quais são os elementos que sustentam essa homenagem?
Nesta matéria, vamos explorar os aspectos religiosos, históricos, culturais e legais que fazem do dia de São Jorge uma data tão especial para os cariocas.
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Quem foi São Jorge?
São Jorge foi um soldado romano, martirizado no século IV por se recusar a renunciar à sua fé cristã. A figura de São Jorge ganhou fama por sua coragem e, principalmente, pela lendária história em que derrota um dragão para salvar uma cidade. Essa narrativa o transformou em um símbolo de bravura e proteção.
Com o tempo, São Jorge passou a ser venerado como um dos santos mais populares do cristianismo, cultuado tanto por católicos quanto por ortodoxos e, no Brasil, também por religiões de matriz africana, como o candomblé e a umbanda, onde é sincretizado com Ogum, o orixá guerreiro.
A devoção a São Jorge no Rio de Janeiro
O Rio de Janeiro é, possivelmente, o lugar do Brasil onde a devoção a São Jorge se expressa com maior força. Desde o início do século XX, a figura do santo atrai multidões que participam de missas, romarias, procissões e celebrações populares.
A tradicional Igreja de São Jorge, localizada na Praça da República, no centro do Rio, é o principal ponto de encontro dos fiéis. No dia 23 de abril, é comum ver uma verdadeira multidão vestida de branco e vermelho, cores associadas ao santo. Missas começam à meia-noite e se estendem ao longo de todo o dia.
Para o historiador e antropólogo Luiz Antonio Simas, autor de diversos livros sobre a cultura carioca, “São Jorge é uma figura que transita entre o sagrado e o profano, e é exatamente essa capacidade de união simbólica que explica sua popularidade tão grande no Rio”.
Sincretismo religioso: São Jorge e Ogum
Um dos fatores mais importantes para compreender a força do feriado de São Jorge no Rio de Janeiro é o sincretismo religioso. Em religiões afro-brasileiras como a umbanda e o candomblé, São Jorge é associado a Ogum, o orixá da guerra, do ferro e da tecnologia.
Essa associação se deu como forma de resistência durante o período da escravidão, quando os africanos eram proibidos de cultuar seus orixás. Para manter suas crenças vivas, passaram a associar os santos católicos aos orixás, e São Jorge, com sua armadura e espada, se encaixou perfeitamente com Ogum.
O babalorixá Ivanir dos Santos, uma das vozes mais respeitadas no campo da liberdade religiosa no Brasil, afirma que “o feriado de São Jorge não é apenas uma celebração católica, é também uma forma de reconhecimento da cultura afro-brasileira e de seu direito à expressão”.

Legalização do feriado: uma conquista popular
Embora a devoção a Jorge seja antiga, o feriado oficial é relativamente recente. Foi somente em 2001 que a data de 23 de abril passou a ser reconhecida oficialmente como feriado estadual. A lei foi sancionada pelo então governador Anthony Garotinho, após pressão popular e articulação de lideranças religiosas e políticas.
A Lei Estadual nº 5.198, de 5 de março de 2008, consolidou o feriado, substituindo uma norma anterior para evitar questionamentos judiciais. Desde então, o dia 23 de abril é um dos poucos feriados estaduais reconhecidos no Rio de Janeiro.
Segundo o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), não há qualquer impedimento legal para que a data seja observada como feriado, e ela está prevista no calendário oficial do estado.
O impacto econômico e cultural
O feriado de São Jorge tem também um impacto econômico relevante. Além do fechamento de empresas e órgãos públicos, a data movimenta o comércio de artigos religiosos, alimentos, vestuário e transporte.
Segundo dados da Fecomércio-RJ, estima-se que o feriado gere um incremento de até 20% nas vendas de pequenos comércios ligados à religiosidade popular. O turismo também é beneficiado, com visitantes de outras regiões do Brasil que vêm ao Rio exclusivamente para participar das celebrações.
“São Jorge é parte da alma carioca, e o feriado é uma manifestação cultural além de religiosa. Ele reforça a identidade do Rio como uma cidade plural, que respeita e celebra suas diversidades”, afirma o professor de sociologia da UFRJ, Marcos Alvito.
Celebrações e tradições populares
No dia 23 de abril, as ruas do Rio ganham uma atmosfera festiva e espiritual. Além das missas e procissões, é comum ver rodas de samba em homenagem ao santo, fogos de artifício, barraquinhas de comida e manifestações culturais espontâneas.
A tradicional “Feijoada de São Jorge”, organizada por escolas de samba e centros culturais, é outro elemento marcante. Muitas dessas celebrações são acompanhadas por rezas, cantos e danças típicas da umbanda e do candomblé, promovendo um encontro vibrante entre fé, cultura e identidade.

Tomaz Silva/Agência Brasil
O feriado de São Jorge no Rio de Janeiro é muito mais do que uma pausa na rotina. Ele representa a confluência de fé, resistência cultural, história popular e identidade coletiva. A oficialização da data como feriado estadual é um reconhecimento à força simbólica de São Jorge na vida dos cariocas, unindo católicos, umbandistas, candomblecistas e simpatizantes em uma celebração de esperança, coragem e diversidade.
Com sua espada, cavalo e armadura, São Jorge não é apenas um guerreiro lendário: é um símbolo vivo da cultura do Rio de Janeiro, e o feriado que leva seu nome é uma expressão concreta dessa força.