As decisões tomadas dentro de condomínios costumam ser vistas como questões internas, restritas ao dia a dia dos moradores. No entanto, em diversas ocasiões, determinadas deliberações extrapolam os portões e viram manchete, especialmente quando envolvem temas controversos, medidas consideradas autoritárias ou conflitos com impacto coletivo. No Rio de Janeiro, uma cidade marcada pela convivência intensa em condomínios verticais, episódios de polêmicas condominiais têm se tornado cada vez mais frequentes — e, em alguns casos, judiciais.
Nesta reportagem, relembramos decisões de síndicos e assembleias que causaram repercussão no Rio de Janeiro, levantando os principais pontos de conflito, como questões relacionadas a animais de estimação, restrições em áreas comuns, proibições de comportamento e até medidas envolvendo segurança. Acompanhe também a visão de especialistas em direito condominial e urbanismo, além de posicionamentos de autoridades e entidades representativas.
Veja também:
- Sustentabilidade e cidadania: como pequenas ações fazem a diferença
- Educação para a cidadania: papel das escolas na formação de indivíduos conscientes
- Eleições 2026: Confira os possíveis candidatos ao Senado pelo Rio de Janeiro

Regras que viraram caso de Justiça
Em 2022, um condomínio na Barra da Tijuca proibiu os moradores de circularem com trajes de banho nas áreas comuns, como elevadores, halls e garagens. A medida, ainda que bem-intencionada por parte da administração, gerou reclamações e acabou judicializada. Um morador entrou com ação alegando cerceamento de liberdade individual, argumentando que as áreas comuns não podem ser reguladas de forma a interferir nos costumes locais.
Na ocasião, o advogado Marcelo Borges, diretor da Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis (ABADI), declarou ao jornal O Globo:
“O síndico tem o papel de manter a ordem e o bom convívio, mas há limites. A regra não pode ser discriminatória, abusiva ou ferir direitos garantidos constitucionalmente”.
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro acabou determinando que a norma fosse revista, estabelecendo que os trajes só poderiam ser coibidos em determinadas situações, como em ambientes de lazer fechados, desde que com a anuência da convenção condominial.
Proibição de pets: uma batalha sem fim
Outro tema que constantemente entra em pauta nas assembleias condominiais e nos tribunais é a presença de animais de estimação. Em 2023, um condomínio em Copacabana tentou aplicar multa a uma moradora que criava dois gatos em seu apartamento. O argumento da administração era de que os animais estavam “fora das normas internas” e que poderiam causar alergias e desconforto a vizinhos.
A moradora recorreu à Justiça com base em decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que já consolidou jurisprudência em favor da permanência de animais domésticos, desde que não representem risco à segurança, à higiene ou ao sossego dos demais moradores.
A juíza responsável pelo caso reforçou que:
“A simples existência de normas internas não se sobrepõe ao entendimento jurisprudencial. O bem-estar do animal e do tutor deve ser preservado, observando-se o equilíbrio entre convivência e regras internas.”
Casos como esse geram discussões acaloradas em assembleias e demonstram o quanto a definição de regras em condomínios precisa respeitar direitos individuais, ainda que exista maioria favorável em decisões votadas.
Área de lazer “fechada” para crianças
Em 2021, um condomínio na zona sul do Rio de Janeiro decidiu restringir o uso do parquinho infantil apenas a determinados horários, sob a justificativa de preservar o silêncio dos moradores em trabalho remoto. A medida gerou revolta entre os pais de crianças pequenas, que se organizaram em grupo para contestar a decisão.
A Comissão de Direito Condominial da OAB-RJ foi consultada sobre o caso e emitiu nota técnica indicando que as áreas comuns são bens de uso coletivo e, portanto, qualquer alteração significativa em seu uso deve ser feita por meio de assembleia geral extraordinária, com quórum qualificado.
Além disso, especialistas ressaltaram que restrições excessivas podem configurar abuso de poder do síndico, sobretudo quando não há respaldo claro na convenção condominial.
A pressão dos moradores e a repercussão em redes sociais fizeram com que a regra fosse revista. O parquinho voltou a funcionar em tempo integral, com horários de silêncio determinados apenas no período noturno.

Câmeras de segurança dentro dos elevadores
A instalação de câmeras em elevadores é uma medida que costuma gerar embates sobre privacidade e segurança. Em 2024, um edifício na Tijuca decidiu instalar câmeras internas nos elevadores, o que levou parte dos condôminos a alegar invasão de privacidade. A administração justificou a medida com o argumento de segurança, após registros de vandalismo e comportamento inadequado no interior dos elevadores.
Segundo o especialista em segurança condominial Carlos Azevedo, consultor da Federação Nacional dos Síndicos Profissionais (FENASIPRO), a instalação é permitida desde que respeite o princípio da transparência:
“As câmeras em áreas comuns, incluindo elevadores, são legais, mas precisam ser comunicadas oficialmente aos condôminos. É fundamental sinalizar os equipamentos e garantir que não haja gravação de áudio sem autorização.”
O caso foi debatido em assembleia extraordinária e, após muito embate, foi aprovada a manutenção dos equipamentos, desde que as imagens fossem acessadas apenas em casos excepcionais e sob registro em ata.
Proibição de festas e churrascos: até onde vai o poder do síndico?
Durante a pandemia da Covid-19, muitas normas emergenciais foram implementadas em condomínios, como a proibição de festas, uso de salão de festas e churrasqueiras. Embora compreensíveis naquele momento, algumas restrições seguiram mesmo após o fim do estado de emergência sanitária.
Em 2023, um condomínio em Jacarepaguá manteve a proibição de eventos nas áreas de lazer com base em “redução de conflitos” e “manutenção da ordem”. A medida gerou desconforto entre os moradores, que alegaram que as instalações estavam sendo subutilizadas. Após denúncias em redes sociais, o Ministério Público do Rio de Janeiro foi acionado para avaliar se a restrição era legal.
A promotora Luciana Furtado, do Núcleo de Cidadania do MPRJ, explicou que:
“O condomínio não pode funcionar como um microestado com regras arbitrárias. A função social da moradia e o direito ao lazer devem ser garantidos, desde que respeitados os parâmetros de convivência.”
O condomínio acabou voltando atrás e convocou assembleia para definir regras claras sobre a reserva e uso das áreas comuns, incluindo número de convidados e horários permitidos.
A importância de um síndico capacitado
Boa parte das polêmicas envolvendo decisões de síndicos poderia ser evitada com gestão profissional e diálogo constante com os moradores. A cidade do Rio de Janeiro conta hoje com mais de 40 mil condomínios registrados, segundo a ABADI, e a demanda por síndicos profissionais vem crescendo.
O advogado condominial Rodrigo Karpat, referência nacional no tema, destaca:
“A figura do síndico mudou. Hoje ele precisa ser gestor, conciliador, conhecer leis, lidar com orçamentos e conflitos. A capacitação é indispensável.”
Além disso, o cumprimento da Lei nº 10.406/2002, que regula o Código Civil Brasileiro, é essencial para garantir que as deliberações respeitem os princípios da razoabilidade, da função social da propriedade e da dignidade da pessoa humana.

Conflitos devem ser resolvidos com diálogo e legalidade
As polêmicas condominiais no Rio de Janeiro escancaram a necessidade de um ambiente de convivência mais equilibrado, transparente e participativo. Embora os síndicos tenham autonomia para gerir o cotidiano dos edifícios, é essencial que suas decisões sejam pautadas em princípios legais, bom senso e, acima de tudo, escuta ativa da comunidade.
A advogada e mediadora de conflitos Ana Lúcia Valença, da Câmara de Mediação do RJ, defende que a resolução de conflitos deve ser sempre a prioridade:
“Antes de judicializar, deve-se buscar a mediação. Muitos conflitos podem ser resolvidos com uma boa escuta e acordos intermediários. O condomínio precisa ser um espaço de diálogo.”
As decisões tomadas dentro dos condomínios do Rio de Janeiro nem sempre ficam restritas aos muros dos edifícios. Quando extrapolam direitos, abusam de normas internas ou atingem interesses coletivos, ganham as redes sociais, os jornais — e, muitas vezes, os tribunais. Por isso, é fundamental que síndicos, moradores e administradoras compreendam seus papéis e respeitem as normas legais, promovendo uma convivência harmoniosa e democrática.