O crime de abuso de vulnerável é uma das infrações penais mais graves previstas na legislação brasileira. Comete esse crime quem se aproveita da fragilidade física ou psicológica de alguém para fins sexuais, sendo a vítima incapaz de consentir ou oferecer resistência. A legislação brasileira trata o tema com rigor, especialmente quando envolve crianças, adolescentes ou pessoas com deficiências.
Você vai entender quando ocorre o abuso de vulnerável, quais são as penas previstas e como a Justiça tem atuado nesses casos. A palavra-chave “abuso de vulnerável” será o foco central da análise.
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O que é abuso de vulnerável?
O crime de abuso de vulnerável está previsto no artigo 217-A do Código Penal Brasileiro, que foi inserido pela Lei 12.015/2009. De acordo com o dispositivo, comete esse crime quem “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos”. No entanto, o conceito de vulnerabilidade vai além da idade: também abrange pessoas com deficiência mental, que estejam sob efeito de drogas, hipnose ou qualquer condição que as torne incapazes de compreender o ato ou oferecer resistência.
Quem é considerado vulnerável pela lei?
De acordo com juristas e tribunais superiores, há diferentes situações que caracterizam a vulnerabilidade. As principais são:
- Crianças e adolescentes com menos de 14 anos;
- Pessoas com deficiência intelectual ou mental;
- Vítimas sob efeito de álcool ou drogas, que estejam inconscientes ou com discernimento reduzido;
- Pessoas em estado de inconsciência por motivo de sono profundo, hipnose, trauma ou enfermidade;
- Situações de dependência extrema, como relação entre cuidador e paciente, professor e aluno, ou tutor e tutelado.
A jurista Maria Berenice Dias, desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e referência em Direito da Família, destaca: “A vulnerabilidade é um conceito que vai além da idade. Trata-se de reconhecer o desequilíbrio entre as partes e proteger quem não tem condições de se proteger sozinho”.
Pena prevista para abuso de vulnerável
A pena prevista para o crime de abuso de vulnerável é de 8 a 15 anos de reclusão. Em casos mais graves, como se houver lesão corporal grave ou morte da vítima em decorrência do abuso, a pena pode ser aumentada para de 10 a 20 anos, ou até de 12 a 30 anos, conforme o artigo 217-A combinado com o artigo 223 do Código Penal.
Há ainda agravantes quando:
- O autor do crime é parente, tutor, curador ou tem guarda da vítima;
- A vítima sofre de enfermidade ou deficiência mental, mesmo com mais de 14 anos;
- O abuso for praticado por mais de uma pessoa (concurso de agentes).
Segundo o promotor de Justiça Lincoln Gakiya, do Ministério Público de São Paulo: “O Judiciário tem dado respostas mais duras a esse tipo de crime, especialmente com a evolução das leis e maior conscientização social. Não há mais espaço para relativizações quando se trata de proteger vulneráveis”.
Abuso de vulnerável é crime hediondo
Desde 2018, com a Lei 13.718, o abuso de vulnerável passou a ser considerado crime hediondo. Isso significa que o condenado não tem direito a anistia, indulto ou fiança. Além disso, o regime inicial de cumprimento da pena é obrigatoriamente fechado, com possibilidade de progressão apenas após o cumprimento de 2/5 da pena (se primário) ou 3/5 (se reincidente).
A advogada criminalista Isabel Figueiredo, membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), reforça: “A classificação como crime hediondo reflete a gravidade do abuso de vulnerável e a necessidade de uma resposta penal rigorosa. A sociedade não tolera mais esse tipo de conduta”.
Casos emblemáticos e a interpretação dos tribunais
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF) têm decidido reiteradamente que não importa se houve ou não consentimento da vítima com menos de 14 anos, pois a lei presume que ela não tem capacidade para tal. Em um acórdão recente, o STJ reafirmou que “a suposta concordância de menor de 14 anos não afasta a configuração do crime de estupro de vulnerável” (HC 666.975/SP).
Outro ponto relevante é a jurisprudência que trata da necessidade de prova pericial. Embora o exame de corpo de delito seja importante, ele não é imprescindível quando há outros elementos probatórios, como depoimentos, mensagens e gravações.
A diferença entre estupro de vulnerável e relação consentida com menor
Um dos pontos mais debatidos é a diferença entre o crime de estupro de vulnerável e as chamadas “relações consentidas” com menores. Segundo especialistas, não existe consentimento válido de menor de 14 anos para fins sexuais. Mesmo que haja relação afetiva, namoro ou acordo entre as partes, a lei considera crime.
O jurista Luiz Flávio Gomes, falecido em 2020 e ex-deputado federal, resumiu em uma de suas palestras: “Não há romance com menor de 14 anos, há estupro de vulnerável. Essa é a realidade jurídica e social.”
Denúncia e acolhimento das vítimas
O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos disponibiliza o Disque 100, canal nacional de denúncias de violações de direitos humanos, inclusive de abuso de vulnerável. Além disso, o Conselho Tutelar tem papel essencial no acolhimento de crianças e adolescentes vítimas de violência.
O atendimento deve ser humanizado e respeitoso, com foco na proteção e na reparação da vítima. Centros de Referência Especializados em Assistência Social (CREAS) e instituições como o Programa Sentinela prestam apoio psicossocial às famílias.

O papel da educação na prevenção
A prevenção do abuso de vulnerável passa pela educação. A Lei 13.431/2017 determina protocolos para escuta especializada de vítimas e obriga órgãos públicos a adotar medidas protetivas e educativas. Além disso, campanhas educativas nas escolas, capacitação de professores e diálogo com os pais são ferramentas essenciais.
A pedagoga e psicóloga Luciana Brito, que atua na Rede de Proteção da Infância, explica: “A criança bem informada é capaz de reconhecer situações abusivas e buscar ajuda. Educação sexual, quando feita com responsabilidade, salva vidas”.
O crime de abuso de vulnerável é uma violência grave que exige atenção da sociedade, punição rigorosa e acolhimento às vítimas. A legislação brasileira oferece ferramentas legais para responsabilizar os autores e proteger os vulneráveis. Pais, educadores, profissionais da saúde e da Justiça têm papel fundamental na prevenção, identificação e combate a esse tipo de crime.