As deslumbrantes praias do litoral de Campos dos Goytacazes, no norte fluminense, vêm encantando turistas e moradores. No entanto, fenômenos como erosão costeira, avanço do mar e eventos extremos colocam essas paisagens em risco, muitas delas com os dias contados. Estudos científicos e testemunhos locais atestam que o mar não espera: está avançando, e é preciso agir agora, como no caso de Atafona, em São João da Barra, que já teve mais de 500 construções destruídas.

Segundo a ONU, a comunidade de Atafona — distrito de São João da Barra, vizinho a Campos — é um exemplo crítico do fenômeno. Nas últimas décadas, cerca de 500 casas foram tomadas pelo oceano, em apenas 2 km de litoral, por causa da erosão e assoreamento do rio Paraíba do Sul, intensificados pelas mudanças climáticas.
O relatório do IPCC reforça este sinal: o nível médio do mar subiu, nos últimos 10 anos, mais de duas vezes em relação ao período entre 1993 e 2002 — de cerca de 0,21 cm/ano passando para aproximadamente 0,48 cm/ano — somando‑se aos eventos climáticos extremos.
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No Brasil, estima‑se que entre 20% e 70% das praias arenosas do mundo estão em processo de erosão. No litoral do Rio de Janeiro — entre a capital e Cabo Frio — a expansão urbana e a ocupação próxima às areias agravam a situação.
Causas aceleradoras: clima, urbanização e eventos extremos
- Elevação do nível do mar e aquecimento global
O principal fator é o aumento do nível do mar, resultado do aquecimento global. Esse processo provoca o recuo da linha de costa e reduções significativas na faixa de areia. - Eventos extremos e ressacas devastadoras
O oceanógrafo Marcelo Sperle Dias, da Uerj, alerta que o impacto das ondas depende não só da altura, mas também do período — ou seja, do tempo que a onda leva para romper. Em ressacas recentes em Macaé, ondas com período de 16 a 18 segundos tiveram efeito semelhante a um tsunami, provocando forte erosão costeira. - Ocupação urbana sem resiliência costeira
Construções, quiosques, calçadões e ciclovias erguem-se quase sobre a areia, impedindo o recuo natural da orla e expondo tudo ao impacto direto das ondas. A recomendação do Programa Erocosta, do governo federal, é manter uma zona de amortecimento de 50 m em áreas urbanas e 200 m em áreas não urbanas, o que raramente é respeitado. - Destruição da vegetação de restinga e dunas
As plantas da restinga e das dunas funcionam como barreiras naturais que absorvem energia das ondas. O pisoteio e queimadas destroem esse sistema de contenção, acelerando a erosão.
O caso de Campos dos Goytacazes, Atafona e litoral norte fluminense
Apesar de menos estudada que a Zona Sul do Rio, a costa que abrange Campos, São João da Barra, Rio das Ostras e outras localidades apresenta sinais alarmantes:
Atafona (São João da Barra): 500 casas foram tomadas pelo mar ao longo dos últimos anos; erosão e assoreamento impedem o aporte natural de areia pela foz do Paraíba do Sul.
Rio das Ostras (Praia da Tartaruga e Praia do Abricó): Entre 2013 e 2015, a Praia da Tartaruga perdeu cerca de 7 metros de largura em apenas 2 anos, com risco à rodovia RJ‑106. Posteriormente, também a Praia do Abricó foi afetada.
olharoceanografico.com
Campos dos Goytacazes: Embora não haja estudo direto disponível, as condições são semelhantes às de Atafona, com ameaça real às praias paradisíacas locais. A ausência de dados regionais expõe a urgência de estudos direcionados.
Pesquisas da COPPE/UFRJ indicam que praias icônicas como Copacabana, Ipanema e Leblon, na Zona Sul do Rio de Janeiro, podem perder até 100 m de faixa de areia até 2100, com elevação estimada do mar em até 0,69–0,78 m. Copacabana já perdeu 10% da areia na última década, e áreas como a Lagoa Rodrigo de Freitas poderão sofrer inundações permanentes.
A perda estimada de até 80 metros em Ipanema, Leblon e Botafogo, além do risco de desaparecimento de manguezais na APA de Guapimirim, serve como alerta para regiões vizinhas como Campos dos Goytacazes.

A pesquisa reforça que, mesmo em cenários climáticos moderados (RCP4.5), os impactos são severos se não houver implementação de medidas técnicas adequadas.
Soluções propostas: urgência em agir
As recomendações se dividem entre intervenções estruturais, conservação ambiental e políticas públicas:
- Engordamento artificial das praias: Injeção de areia para recompor faixas perdidas — mas com eficácia limitada se não for feita com planejamento técnico.
- Implantação de recifes e moles artificiais: Estruturas submersas ou costeiras que quebram a força das ondas. Devem ser projetadas com base em modelagens técnicas rigorosas.
- Proteção e recuperação de ecossistemas naturais: Replantio de manguezais e restinga, e valorização das dunas como amortecedores naturais.
- Monitoramento em tempo real: Boias, sensores e marégrafos para detectar variações no nível do mar, ondas e correntes — como o convênio entre UFRJ/Inpo e a prefeitura do Rio.
- Planejamento urbano integrado: Levar em conta o risco costeiro na definição de uso do solo, evitando obras próximas à orla; respeitar áreas de amortecimento.
- Consciência e mobilização pública: Informar moradores e turistas sobre riscos — ressacas, áreas perigosas — e mobilizar sociedade civil e governos para atuar de forma coordenada.
As praias do litoral de Campos dos Goytacazes — apesar de ainda relativamente preservadas — enfrentam risco real de desaparecer diante do avanço do mar, como já ocorre em Atafona e outras partes do norte fluminense.
Sem planejamento integrado, intervenções técnicas apropriadas e recuperação de ecossistemas naturais, esses paraísos podem ser engolidos antes do fim do século.
É urgente que autoridades municipais, instituições de pesquisa, ONGs ambientais e comunidades locais unam forças. É hora de estudar com profundidade, monitorar continuamente, investir em soluções estruturais e naturais, e garantir a sustentabilidade dessas praias para as próximas gerações.