A formação de uma nova família, especialmente quando envolve crianças de relacionamentos anteriores, exige paciência, empatia e diálogo. A relação entre padrastos e enteados, o processo de adaptação pode ser marcado por desafios emocionais, disputas silenciosas e, com o tempo, pela construção de uma relação forte e afetuosa. Esse fenômeno tem se tornado cada vez mais comum, refletindo as mudanças na estrutura familiar contemporânea.
Segundo dados do IBGE (2022), aproximadamente 16% das famílias brasileiras são reconstituídas, ou seja, formadas por casais em que pelo menos um dos cônjuges tem filhos de uma união anterior. Com esse cenário em crescimento, a necessidade de compreender as dinâmicas entre padrastos e enteados se torna urgente — tanto para os envolvidos diretamente quanto para profissionais da saúde mental, da educação e do direito de família.
Veja também:
- Dicas para melhorar a comunicação em família
- Apoio a familiares com dependência química
- Receitas tradicionais de família: resgatando sabores e tradições culinárias

Uma nova realidade para pais e filhos
Ao ingressar em uma nova família, cada membro traz uma história. O padrasto, muitas vezes, assume um papel delicado: estar presente sem tentar substituir o pai biológico, construir autoridade sem parecer invasivo, e conquistar afeto em um território onde, inicialmente, pode haver resistência.
A psicóloga e terapeuta familiar Vera Iaconelli, diretora do Instituto Gerar e colunista da Folha de S. Paulo, afirma que “a formação de vínculos em famílias reconstituídas demanda tempo e não pode ser forçada. O enteado precisa ter espaço para aceitar o novo adulto em sua vida no seu próprio ritmo”.
Já a psicanalista Maria Homem, em entrevista ao canal Casa do Saber, destaca que a figura do padrasto deve ser construída em torno da parceria com a mãe da criança. “O que a criança observa não é o que o adulto diz, mas como ele age, como ele trata a mãe, como ele se posiciona nos conflitos. A autoridade se constrói na coerência”, explica.
Os principais desafios da relação entre padrastos e enteados
- Resistência inicial dos filhos
Muitas crianças veem o novo cônjuge da mãe como uma ameaça à lembrança do pai biológico ou à rotina anterior. É comum que elas expressem ciúmes, tristeza ou raiva, mesmo que não compreendam racionalmente o motivo. - Conflitos de lealdade
Em especial nos casos em que há convivência frequente com o pai biológico, os filhos podem sentir que gostar do padrasto é uma “traição”. Esse dilema emocional precisa ser tratado com cuidado, sem pressionar a criança. - Autoridade e limites
O padrasto nem sempre sabe até onde pode ir ao impor regras. Psicólogos alertam que esse papel deve ser definido com clareza junto à mãe, para evitar disputas e inseguranças. - Integração de rotinas e estilos de criação
Quando o padrasto também tem filhos, o desafio é ainda maior: unir culturas familiares diferentes exige flexibilidade e disposição para aprender juntos.
Boas práticas para fortalecer a convivência
A Associação Brasileira de Terapia Familiar (ABRATEF) recomenda algumas estratégias para que a nova estrutura familiar se desenvolva de forma saudável:
- Estabelecer uma comunicação clara entre os adultos: o casal precisa alinhar expectativas e responsabilidades antes de abordar as crianças com mudanças de rotina ou disciplina.
- Evitar comparações com o pai biológico: o padrasto deve se apresentar como uma nova figura de afeto e apoio, e não como substituto.
- Investir em tempo de qualidade com os enteados: atividades conjuntas, como jogos, leitura, passeios e conversas informais, são importantes para construir intimidade.
- Reconhecer os sentimentos da criança: validar as emoções dos filhos da parceira — mesmo quando negativas — ajuda a criar um ambiente seguro para o diálogo.
O papel das escolas e terapeutas
Educadores e psicólogos podem ser aliados valiosos no processo de adaptação. A pedagoga e escritora Rosely Sayão, uma das vozes mais respeitadas da educação brasileira, defende que “as escolas devem estar atentas às mudanças familiares e apoiar o aluno emocionalmente, sem fazer julgamentos ou comparações”.
A terapia familiar também pode ser um caminho eficaz para resolver conflitos e promover o entendimento mútuo. “A presença de um profissional ajuda a traduzir as emoções, especialmente em fases de tensão”, afirma o psicólogo Luciano Diniz, especialista em relações familiares.
Relação entre padrastos e enteados – casos públicos que ajudaram a desmistificar o tema
Famosos também enfrentam os desafios da convivência com enteados. O ator Bruno Gagliasso, por exemplo, costuma falar abertamente sobre a relação com Titi, filha adotiva que criou com Giovanna Ewbank. Em entrevistas, ele já mencionou que a conexão com a filha cresceu com o tempo e foi marcada por carinho e respeito mútuo.
Outro exemplo é o apresentador Rodrigo Faro, que sempre enfatizou a importância do padrasto em sua vida, dizendo que “pai é quem cuida”. Essas declarações públicas ajudam a normalizar estruturas familiares não tradicionais e mostram que laços afetivos não precisam de vínculos biológicos para serem legítimos.
Aspectos legais e direitos do padrasto
Embora o padrasto não tenha automaticamente responsabilidades legais sobre o enteado, há situações em que ele pode ser incluído como responsável, especialmente em casos de guarda compartilhada ou adoção socioafetiva.
O Código Civil Brasileiro reconhece a importância das relações afetivas no contexto jurídico. Em decisão recente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu o direito de um padrasto a manter a convivência com o enteado após o término do relacionamento com a mãe, com base no princípio do melhor interesse da criança.
Segundo a advogada especializada em Direito de Família Patrícia Aguiar, “a justiça brasileira tem evoluído no sentido de reconhecer os vínculos afetivos como tão ou mais importantes que os vínculos biológicos. Isso é especialmente relevante em famílias recompostas”.

Vínculo se constrói com tempo e respeito
A relação entre padrastos e enteados não segue uma fórmula exata. Cada relação é única e precisa ser construída com base no respeito, no diálogo e na disposição de todos os envolvidos. Pressionar por um afeto imediato ou impor papéis rígidos tende a gerar frustração e afastamento.
Com o apoio de profissionais, o diálogo entre os adultos da família e o tempo necessário para que as crianças processem as mudanças, é possível transformar desconfiança em parceria — e, muitas vezes, em amor verdadeiro.