A frase “não existe pena de morte no Brasil” é amplamente usada — e em muitos contextos está correta. Mas se considerarmos todas as exceções legais, percebe‑se que há limitadas hipóteses em que ela está prevista. Veja o que diz a Constituição, qual o papel do Código Penal Militar, desde quando ela deixou de ser aplicada para crimes comuns e quais crimes militares podem levar à pena de morte em caso de guerra declarada — como traição, deserção, cobardia ou genocídio em zona militarmente ocupada.

Constituição Federal: o artigo 5º, inciso XLVII
O ponto central da questão está no Art. 5º, inciso XLVII da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Esse dispositivo define:
“XLVII – não haverá penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;
b) de caráter perpétuo;
c) de trabalhos forçados;
d) de banimento;
e) cruéis.”
Ou seja: em regra, a pena de morte está proibida no país para crimes comuns, mas há uma exceção expressa no inciso “a”: “salvo em caso de guerra declarada”, nos termos do artigo 84, XIX da mesma Constituição.
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Além disso, esse inciso faz parte do conjunto de direitos fundamentais — e, mais do que isso, daquilo que se chama de “cláusula pétrea” da Constituição. Essas cláusulas são aquelas que não podem ser abolidas ou modificadas por emenda constitucional de modo a suprimir seus conteúdos essenciais. Portanto, a vedação da pena de morte, salvo na exceção da guerra declarada, é um desses princípios fundamentais da ordem constitucional brasileira.
O que significa “guerra declarada”?
Para que a exceção da pena de morte possa valer, deve haver guerra declarada pelo Presidente da República, conforme previsto no artigo 84, inciso XIX, da Constituição.

Guerra declarada é um ato formal de Estado que ignora meros conflitos internos ou operações de segurança nacional; exige uma declaração oficial de estado de guerra, normalmente em relação a outro Estado ou em circunstâncias definidas de conflito armado internacional. Sem isso, a regra geral de proibição de pena de morte permanece.
Crimes militares em época de guerra
Mesmo na hipótese de guerra declarada, não são todos os crimes podem levar à pena de morte: há um rol de crimes previstos principalmente no Código Penal Militar (CPM) aplicável a militares (e a civis assemelhados em algumas situações), quando em zona de operações militares ou em contexto de guerra. Entre esses delitos estão:
- Traição: por exemplo, alguém que pegue em armas contra o Brasil ou Estado aliado.
- Deserção na presença do inimigo: abandonar posto ou tropa em combate
- Covardia (ou debandada) do militar, por temor, em presença do inimigo
- Genocídio em zona militarmente ocupada.
- Outros crimes militares em zona de guerra ou sob operação militar
Quando há essa previsão, o modo de execução legal da pena de morte militar é por fuzilamento.
Pena de morte para crimes comuns: abolida há mais de um século
Para crimes civis, comuns — homicídio, roubo, estupro, etc. — não há pena de morte desde o final do Império e início da República. Alguns marcos:
Último caso de aplicação de pena de morte para crime comum foi em 1876, no município de Pilar, em Alagoas. Um homem escravizado, chamado Francisco, foi enforcado em cumprimento de lei que previa pena de morte para escravos que matassem seus proprietários.

Em 1890, com a promulgação do Código Penal Republicano (Decreto nº 847, 11 de outubro de 1890), a pena de morte para crimes comuns deixou de constar no ordenamento jurídico penal.
A Constituição de 1891 consolidou a proibição da pena de morte para casos civis. Desde então, por diversas constituições e reformas, essa regra permanece para crimes comuns.
Portanto, faz mais de 140 anos que não se executa pena de morte por crime comum no Brasil, e legalmente ela não existe nesse contexto.